Quando a depressão culmina no suicídio, é comum as declarações de ajuda que não damos no passado aparecerem torrencialmente nas redes sociais, como uma espécie de autoexpiação de uma culpa sentida.
Pois bem! Para evitar essas declarações, geralmente publicadas em redes sociais, façamos o seguinte: ofereçamos nossa escuta como caminho. E enquanto leio sobre a depressão, iniciei a leitura sobre a escuta, na visão de Christian Dunker e Cláudio Thebas (1). Entre as descrições, eles traduziram a escuta como um caminho. E isso eu achei fantástico!
Então vamos lá! Caminhar por rotas desconhecidas por ser uma excelente experiência de aprendizado se você estiver aberto a essa possibilidade. A comparação é a seguinte: se caminhamos focados na chegada, temos a tendência a perceber quaisquer contratempos como frustações, falta de realizações e obtenção da meta (a chegada). Se caminhamos por uma rota desconhecida, podemos aprender observando, ouvindo, conhecendo tudo que encontramos.
Com uma pessoa depressiva talvez algo semelhante aconteça. Dizemos que se a pessoa precisa, pode nos procurar a qualquer tempo, em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias. Mas isso geralmente é uma baita mentira se esperamos que a pessoa se sinta melhor depois da(s) conversa(s). Estamos focados na chegada (a cura, a melhora, a restauração etc). Esquecemo-nos de que ouvir um depressivo é caminhar por rotas que não estão pré-determinadas. Como expus em outro artigo, a depressão é uma interação de fatores. A depressão não é um caminho traçado, igual para todas as pessoas. Por isso, escutar um depressivo pode se tornar um tédio: a pessoa pode se perder, ou caminhar em círculos, sem perspectiva de horizontes futuros.
“Há pessoas que viajam com roteiro fixo em que qualquer contratempo é sentido como uma ameaça. Há outras que tiram tantas fotografias para lembrar-se depois, que conseguem se evadir do agora e não vivem o que define a essência da viagem, que é a arte do encontro contingente… Ora, entrar em contato com o desconhecido sem se sentir ameaçado por ele é o que esperamos de alguém disposto a nos ouvir e se surpreender com o que dizemos, como se fosse uma viagem feita com palavras” (p.61).
E o que toda pessoa espera, estando em depressão ou não, é ser acolhida enquanto fala. Se ela percebe que nossa escuta discrimina, julga, determina ou enfatiza o certo e o errado, pode ser que ela se cale. A escuta que poderia ser um caminho pode se transformar em um acidente de percurso, um ponto final para qualquer possibilidade.
Portanto, se faça a pergunta: “Estou pronto para escutar/caminhar com o outro reconhecendo que ele não é a mesma rota, caminho ou via que eu?”
(1) O palhaço e o psicanalista. Christian Dunker e Cláudio Thebas. Editora Planeta. 2019.